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09-01-2008

no banco de pedra

No banco de pedra
Encontrei harmonia
Ficaste de vir ter comigo às 11horas
Agora é meio-dia

Dia a meio que avança
E a espera que atrasa

E eu o que fiz?
Deixei-me ficar, ansioso, zangado
Mas abriste os teus olhos
E eu, o que fiz?

Aquele olhar que não queima
Aquela mão que não toca
Aquele lábio que cola
Aquela sombra que passa

Não sei mais que fazer
Entre tanta harmonia
E no banco de pedra
Passei mais um dia

a história da cereja e do pato...

… É uma história que em poucas linhas se conta, não mais. O pato tinha na sua passagem a forma de andar que só aos patos se vê caminhar. O pato era chato, era dos patos normais. O pato não gostava do sabor da cereja e nunca pensara encontrar uma que lhe parecesse realmente boa cereja para saborear. Já a cereja sabia que não encontraria num pato alguma razão para de qualquer tipo de pato gostar. A cereja era exigente e intransigente nos amigos escolhidos.
Quando o pato e a cereja se viram pela primeira vez, o pato nem deu grande importância à cereja. Mas notou que era pequenina a cereja. E bonita. A mais bela cereja que vira, mas sem importância seguiu.
O que é certo é que o pato e a cereja viveram aquilo a que se chama a história perfeita entre dois seres amantes. O pato não sabia já que era um pato e a cereja esquecera-se durante alguns anos que o pato era, de facto, um chato.
O pato e a cereja tinham a mesma forma de ver o amor. E foi isso que em anos juntou a cereja e o pato. Foi, porém também foi isso que os separou. E o pato voltou a ser chato e a cereja deixou de encontrar no pato razões para dele gostar.
Uma coisa ainda não dita é que o pato com asas nunca antes tinha voado. Até que a cereja mostrou ao pato, que é ave, a verdadeira arte do voo picado. E ambos voaram. E a verdade é que o pato ficou eternamente grato à cereja por esta o ter ensinado a voar. E ele até acha que dificilmente voltará a voar tão alto como quando voava com a cereja às costas. Como eles os dois a voarem tão alto, é coisa que o céu não voltará a ver. A não ser que um dia, a cereja e o pato se lembrem de juntos voltar a voar…

25-11-2007

notas dispersas

Subi a um palco ruidoso que era feito de estacas de lã
No papel de cenário estavam duas cabeças, ou três
Conforme a luz a cingir numa sombra em silêncio.

Bruto punho entre os braços que fechas
Forte soco na carne toda em sangue.

Na plateia está esse espectáculo que é o teu mau feito.

Reconheces algures a força das coisas,
Qual uma janela sempre em aberto
Só te resta esperar e só depois ver.

Mas o meu nome é certo
E a presença também.

01-11-2007

ou este

Vai, vai. Vai!
Entra na noite em nevoeiro cerrado
Não encerra ela por si uma só forte certeza
Mas acalma essa tua dor e a não ser na tristeza
Certo é que ali se esconde uma peste no Sul

Vai, vai. Vai!
Vê-te aqui e põe-te a pensar
Em noites frias de encerramentos alados
E de lados trocados em viagens vazias
Onde teces a razão
E o vazio se instala em janelas abertas

Vai, vai. Vai!
Não busques mais que a vontade de o ser
Num tão forte resquício de Setembro
O longo navio de talhas cinzentas
Como o céu desta cidade
E o vento de Este sopre todo a Sudeste
É para aqui que caminha

Foge. Foge!
Para longe do mar ou das gentes das serras
E dos ventos dos lados de lá
Ou os cantos das tocas
Dos pomares e dos olhos
É para lá que caminham
É acolá que se encontram
Onde há sempre uma luz

Vai!
Para as horas melhores dos dias que passam,
Que ficam, que vão
Por trás dessa encruzilhada,
Aí onde te encontras
Entre o incerto futuro a Norte
E a certeza encontrada no Leste

Vive!
Na certeza que aqui viverás
Sem um ponto ou um dedo que aponte
Com um ar respirável que seja
Mas que o mar te escapou pelas mãos
E que voltarás sempre a ir nessa direcção
És Oeste!

a lentejo

Sei que em mim trago o tormento
Destas terras e deste lamento
As estradas são passos em falso
E o céu é um simples percalço
Aqui ando para trás com as feridas
Como as vozes cansadas de histórias sofridas
Cai a noite e não fecho estas portas
Ao passo que as árvores nascem já tortas

O mundo dá voltas e voltas
Mas alem estará sempre o Tejo
Campo em frente é tudo o que vejo
Ou a pele enrugada do sol
E a gente, outra vez tão presente
Num eterno e permanente acordar
Sem razão. De onde são?
São de além. Trás do rio. São alguém

Quando me lembro daqui
Vem-me à memória o caminho
Que ao fim da tarde e de mansinho
Vai alterando este céu, que aqui é só meu
Na planície dourada, outrora queimada
Ou verde mais forte de Inverno
És chuva e és sol mas também és frio forte
A minha sorte é voltar sempre a casa

24-10-2007

duas almofadas

Coloco outra vez duas almofadas na cama
Para alguém que não dorme tão cedo
- ou de vez em quando madruga -
Duas almofadas são coisas de mais neste quarto para três que o aluga

Não te chamo acordado e mantenho tudo ao contrário
Mas as peças as mesmas cá estão. Tudo intacto no espaço
E a casa é minha como dantes. Não vês?

As estantes e os livros a meio e as fotos tiradas
Pregadas ainda p’ra sempre ao placar

Tudo à espera dum salto ou de novo de um velho fitar

Duma noite findada, ou de um dia a acabar
De uma outra almofada ou lençol feito em seda da seiva
Do linho da planta dessa tua tez

Do colchão sem um estrado e a estrada no chão
Ou o teu corpo outra vez

De uma velha canção e a mão bem cerrada ou uma voz não calada
De uma nova alvorada nas trevas e do zero voltar a sonhar só com nada…

Tudo isto, ou de novo o teu corpo a chamar!

parêntesis

É com a sorte do sono que chegam palavras
É com o vento da noite do norte que encho o quarto
E a cama de gente

É de corpos amorfos caídos atados
Pendurados noutras partes da terra
É penumbra

(cago nos parêntesis)

É de dissertações já fumadas
Cigarros pensados que o fumo atravessa
A visão dos teus olhos
Salta-me dentro dos olhos

É com isso que vivo
E eu só faço estes seres quando travo
A vapor de mortalha

(cago nos seres de fumo dentro destes parêntesis)

noite a meio

Carro seria ou arte empedrada
Forte convicção em vidraças emparelhadas
Avessas manias que irritam as doces presenças
Sedentas de amor sem palavras

Que letras cansadas ao verso
É um metro em concreto para quê?
(ou pausas forçadas)

Cabelo escorrido e curtido vestido
Entre as pernas fechadas um quadro
Pintado às pancadas em três
Como quem sai de casa
De quem entra em cena

Surpreende o farsante que embala esta noite apressada
Que acaba, sem estar terminada…

23-10-2007

fade out

Quisera escrever eu no escuro sem precisar de palavras escritas. Quisera eu que a luz fosse feita de escuro e que o duro tormento da inexpressão do confronto ao papel se apagasse com o interruptor para baixo. E que quem pensa e não escreve, escrevesse sem pensar duas vezes.

Ou que a cada madrugada saíssem só textos de fresco escritos a quente. E que o centro dos mundos fosse um conjunto total de muitas cabeças. E que no sonho de cada uma delas, comandássemos todos as ideias de todos.

Quem me dera que todos vivessem somente para todos, mas que ao acender de outra luz uma vela surgisse de dentro do escuro e voltássemos sempre a esse ponto perfeito de letras pensadas e escritas. Mas que no papel das ideias ficassem abaixo-assinadas por quem de direito.

E que ao soprar para a vela fosse tudo cumprido! Ainda que às escuras e ainda que o escuro não durasse nem cinco minutos que fossem sem luz…

fugidio

Luz, mão aberta e a mão nessa luz
Punho fechado de ideias dispersas
Sangue a ferver em pouca água no copo
Acossado por entranhas estranhas de corpos pesados
Sem vontade mais a menos e a cabeça que dói
Corpo imóvel de boneco à janela vidrada
De cima em ponto picado
(voz em recusa, a escusa é vizinha do lado)

Tacanha tamanha sinceridade de movimentos
Ou os lentos planos de transição de discurso
(o fio que não puxas é o mesmo que se te enrolará mais tarde ao pescoço)
Ou o caroço da ferida contida dois tempos

Ideais acordados de dentro do luto
(não vás tu deitar-te mais cedo sem veres a rua a saltar-te para cima)
Não esperes tal facto mais tarde cantado
À janela de baixo em ponto de contra picado

E não tardo a inventar mais conversa
A tua mente perversa inspira estas letras sem nexo
O cigarro a aguardar outras horas
(e é finalmente minuto perfeito de pôr às avessas a luz outra vez)

Numa mão e na outra fechada uma frecha de cor
Iluminada no escuro, pintada de branco escarlate
Com sabor a tomate esmagado contra a voz que vem cá de dentro
Do centro de toda a junção de ideias concretas
Discretas em si e apagadas mais tarde…
(está essa luz persistente)
E dormente qual nervo picado e cansado de arrufos suaves

Abanemos o cesto e tiremos as compras
Coloquemos pimenta e leiamos o verso instrutor
Formador de cabeças pensantes iguais às demais estreantes
(deixa estar. vou dormir)
Inchem-me os olhos de impressões lacrimejantes!