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25-11-2009

o que fica

E fica um nó qualquer, não sei onde, talvez na garganta, vazia. E um frio quente cá dentro e um vazio. Fica uma mão qualquer agarrada, ou não, já nem sei. Fica uma mente repleta de merdas confusas. Fica um claro pensamento acerca de ti. Fica um gesto cansado e um adeus até sempre. Ficam os olhos e uma força tão estranha e a vontade tão certa. Fica um abraço. Fica muito mais que um abraço. Fica muito mais do que isto. Fica tudo o que resta dizer.

07-11-2009

três

trago um papel embrulhado no bolso para te dar há três meses. queimo-o amanhã. abro a janela. e fecho a porta. não necessáriamente por esta ordem. a ordem das coisas está trocada. a viagem que faço de carro deixa-me melancólico. mas a estrada é bonita e lembra-me que não te disse o que te queria dizer. sinto a chuva que cai nos vidros como feridas no corpo. a verdade é que me deixam mais calmo estas feridas no corpo. não sinto que sinta tristeza. é só um vazio qualquer que não se explica por palavras escritas. não explico assim o que sinto. há um bocadinho de ti em tudo o que faço. e sinto-o. embrulho outra vez o papel e guardo-o no bolso durante mais três meses.

contrário

sinto-me a andar ao contrário do mundo
em linhas tortas, direitas. num sono profundo.

o desejo é sempre uma força contrária, mas a força.
essa altera-se com os dias que passam.
eu passo-os bem. mas ando ao contrário.

alterno euforia com o espaço mais calmo da casa
e tenho uma asa ferida. voo ao contrário.

ao contrário de mim, estás tu também.
não voltes agora para trás nesta estrada perdida
volta para mim se fores em frente. ao contrário.

01-11-2009

claros

Sobre o amor, farei duas ou três considerações... Quando me olhares novamente nos olhos. Quando te encontrar de novo na rua e te perguntar desta vez se os teus olhos serão meus, pelo menos uma vez. Queres passear comigo? Ou fumamos apenas um cigarro? Um cigarro não seria apenas um cigarro contigo. Dar-te-ei a mão. Mas não falarei muito. As duas ou três considerações que farei acerca do amor serão sem palavras. Só os gestos e as palavras mudas direi. Também te afagarei o cabelo. Dás-me a tua mão? Quero sentar-me contigo num banco qualquer de jardim, ou de estrada. Quero ver contigo os carros que passam. Quero uma música nossa. Quero mesmo fumar um cigarro contigo. Quero ver-te na rua a andar. E como tu andas... O teu passo é um gesto delicado de pássaro livre. Quero ver-te sozinha, como quem vê Lisboa num fim de tarde de Outono quente. Quero encontrar-te sem gente. Quero mostrar-te a cidade. Esta cidade e a outra. Tu já és a cidade. Quero viajar contigo. Quero um livro emprestado para me poder encontrar contigo mais vezes. Quero encontrar-me contigo todas as vezes. Olha-me assim. Olha-me como ontém. Olha-me. Sofro do mal da incompetência. Olha-me. de Amar. Os teus olhos.

17-10-2009

John Coltrane - My Favorite Things

bloco de notas (ficção #2)

a comida estava quente e servida.uma toalha de mesa. e o enredo. que se foda o enredo. eram três personagens. uma delas a um canto da mesa. falamos, falámos. bebemos e rimos. saímos como se nada fosse. foi só mais um episódio no meio da longa história.

bloco de notas (ficção #1)

 FADE IN:

EXT. QUINTAL DA CASA - DIA

 

Ela apresenta-o agora a seu pai como o seu amigo que sempre fora... Ao apertarem a mão, ele sente um desejo enorme e incontrolável de confessar àquele homem o que sentiu em tempos por Ela.

 

RAPAZ

o senhor não sabe o quanto eu já gostei da sua filha.

 

PAI

gostou? já não gosta?

 

RAPAZ

agora que penso nisso, ainda gosto... ela é que já não gosta de mim. sabe como é, a vida dá voltas destas...

 

PAI

bom, rapaz! da vida sei eu. e se ela não gosta de si, lá terá as suas razões... não é para me gabar, mas eu eduquei a minha filha para saber sempre bem o que quer!

 

RAPAZ

bem sei, bem sei. tem razão... ela sabe bem o que quer. e o que não quer também...

 

PAI

mas olhe, veja lá bem. talvez ela ainda....

 

 

A conversa é bruscamente interrompida por uma intempérie que os faz entrar em casa.

 

 FADE OUT

30-09-2009

ar da madrugada

aguardo por uma madrugada.

daquelas em que eu falo. em que falamos. e nos ouvimos.

uma madrugada em que pensamos dizer o que quisermos

e dizemos o que sentimos sem pensar.

 

uma madrugada feita de lutas

das ideias e das forças da mudança.

afundada em sonhos e presa na liberdade interior dos corpos.

 

uma madrugada de notícia agradável

e cheia de ar com cheiro de chuva.

uma noite-quase-dia que ainda não acordou para o mundo.

 

uma manhã em tom de breu a respirar fulgor de uma nova mulher.

uma madrugada em que o corpo deitado na cama,

volta a ser o corpo que não chegou a sair.

 

aguardo por uma madrugada que me faça levantar.

hoje ainda.

29-09-2009

que comecem

Só ao sair de casa me deparei com o sol que fazia. A rua estava viva, cheia de ideias nos passeios. O calor encharva-me o corpo de coisas que eu já não esperava sentir. Os olhos eram os mesmos de sempre, mas via-os agora de outra forma. Agora via-os. Olhava-os e via-os mesmo. Era na esperança de um corpo que eu caminhava sem rumo. O verdadeiro rumo era o das coisas pequenas, das quais a vida é feita. Era nelas que estava a virtude. No caminho, ainda me iria deparar amiude com coisas grandes, mas sem sumo. E eu ainda presumo que voltemos um dia às coisas pequenas.

10-09-2009

Lamb - Softly

21:37 | Permalink | Comentários (0) | Tags: lamb, sotfly