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22-12-2006

aos animais

Não basta ver que os matamos
Castramos-lhe ainda a imaginação
Ao querê-los sem sentidos
Nada de aspectos cognitivos
E suavemente repartimos,
Aos bocados, à facada,
Os lamentos da manada

Na chacina degustamos
O pobre bicho adorável
E pese embora a solidariedade
Que por vezes praticamos.
O sabor é agradável

É de mais, achá-los giros
Não há mais. Sem mais
Só eu e tu e os animais
Que os enjeitemos
E ao comermos, enjoemos
Nada de dor lhe infligiremos

Porém é bela a humanidade
Que há na domesticação
E quando um nos afeiçoa
Até gostamos, mas por pouco
Arranjamos logo outro
Que o suplante

Para mal dos meus pecados
Sou só mais um nesta selva
Somos todos… Anormais
Perfeitamente usuais
Mas humanos, convenhamos
Somos nós os Animais

23-11-2006

artéria, tu tens razão

"A única coisa que eu aprendi meu Deus
a sofrer a desilusão duma passagem de rua
ficar com o lado esquerdo a ajudar a falar
mas a única coisa que eu aprendi
Que um bocado de vidro inundasse de luz uma artéria
era uma desilusão a olhar para mim
e dizer movimento de rua
é assim movimento de rua
aí está nós cá estamos nós somos tal e qual
uma desilusão em passagem.
Tinha era ainda mais que tudo isso
um inchaço dum vidro em bocado
espetado em cima de pedra.
Havia um estendal de desilusão a devorar-me
todo com os olhos
eu era uma continuação do meu ser.
Onde um simulacro estava a vantagem
de uma desilusão.
Eu não. eu cá.
Que um cá estamos considerasse ou não
eu não tinha nada com isso
Eu fum, eu...
Ah,
Havia é que era eu cá estamos nada disso
eu cá não eu nada eu não tinha eu não tenho
tu quê
nós consideramos.
Onde punha fum
tudo por dentro era duma urania
tudo por dentro era duma constipação palpável
pelo sentido da pedra e do bocado de vidro.
Não eu cá não vou.

Quem olha descontenta."



ANTÓNIO GANCHO

13-11-2006

ao certo

Ao certo não sei que escrever
Certamente não sei acertar
Nem sei se é certo pensar
O que é certo – isso eu sei – é que penso

Enquanto penso e repenso,
À minha frente desfaz-se
O repasto da vida
E sobre a mesa estendida
Está uma toalha em retalhos

E essa mesa só sente
O deprimente sabor a amargo
Das coisas certamente pensadas
Pesadas e mais que incertamente sentidas
E bem consumidas.
Mastigadas, em sumo, cantadas.

Em pratos, percalços partidos
Repartidos em partes, os pensamentos reparto
E estruturo em pedaços os restos do farto repasto.

Mudo, por fim, as linhas do meu pensamento
O sentido incerto do que acerto no lento
Percurso coisas.

Mas há coisas que certas existam
Certamente não sei acertá-las
E só penso encaixá-las,
Quer queriam, quer não,
Quer persistam…

25-09-2006

em branco

Arranquei-me os olhos e os ouvidos. Arranquei-os para não ouvir mais os gestos e deixar de ver as palavras. Fui-me arrancando a pele aos poucos também. Tentei arracar a cabeça, mas foi em vão. A minha vontade era a de não sei bem o quê. Talvez nem vontade fosse. Mas respirava ainda... Depois saí. Já sem olhos e sem ouvidos. Sentia-me bem, naquele instante. Depois caí. Levantei-me e comecei a ouvir de novo. Foi quando te vi. E caímos.

19-09-2006

daltonismo das coisas

Eu, quieto fiquei longos instantes num contemplar absurdo das pinceladas azuis, feitas por cima das hastes vermelhas das paredes. Reparei que a luz do sol incidia de lado sobre as horas que o dia já carregava às costas. Intrigou-me o verde-escuro do chão que contrastava com o cinzento claro das pedras da calçada. Essas mesmas calçadas, por onde andara todo o dia, dançavam agora a um som que se evolava vindo de onde?
Esse mesmo som que ouvia desde que acordara até agora. O som, esse mesmo som que não era mais se não o silêncio imaginado da tua voz a falar-me das cores…

absynthe minded - my heroics (part one)



18-09-2006

viagem

Viagem . Conceito que é o país que se pensa pequeno e afinal? Definição sustentada pelos montes tão verdes, tão altos quando não queimados na imensidão do fumo que atravessamos. Viagem. Viagem. Termo tão grande como foi a viagem daqueles dias. Termo pequeno quando a viagem fomos nós a viajar…

luz

Esperança estendida à janela
Com a lua a dar-lhe de frente.
O que ainda há para vir é tanto.
Sem pranto, permaneço assim.
Ofuscado ainda pelo sol de outrora.
Acordado já pela luz permanente.

Quero ter, um dia, estes dias sempre
Porém contigo o desejo é mais premente
O que me aquece é a luz
A mesma que me ofusca.
A desse dia que vem.
Como me aquece a de ontem.
E a de antes também.

férias (parte III)

Foi de regresso ao local já sabido
Amplamente desejado
Esperado ao longo do curso dos dias
Não estes.

Foi de revisita
Daquela gente
À Beira daqueles lugares
Tão ávida a memória que é deles
Tão longa as visões que se viram

Foi de permanência tranquila
Foi de amigos, foi de voltas
Foi de retornos há muito esperados
E o regresso p’ró ano é como a vinda deste
Ali sempre…

09-08-2006

férias (parte II)

Fiquei neste absurdo contemplar das coisas que teimam em passar depressa. Sei que o tempo foi bom, mas também sei que este tempo me escapa, como me escapam, por entre os dedos, os bons tempos que ainda faltam passar.
Hoje lembrei-me das coisas, aquelas coisas, tu sabes. Lembrei-me das serras, das subidas, dos rios. Lembrei-me das estradas. Lembrei-me do mar e do céu. Esqueci-me do fogo, mas lembrei-me da cruz e do fumo. E lembrei-me da lua e das noites.
Mas antes tinha-me lembrado dos sons, dos ruidos ao fim de tarde em harmonia ou sem harmonia nenhuma, que descompassados ruidos. Lembrei-me das cores e das pessoas. Das luzes, dos quentes e dos ventos tão frios. Lembrei-me das vozes e das conversas tão parvas. Lembrei-me das horas.
Lembrei o que vi e ficou um dia por ver. O que há agora a fazer?

Tentei verbalizar o registo e saiu-me nada mais nada menos que isto.