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24-10-2007

duas almofadas

Coloco outra vez duas almofadas na cama
Para alguém que não dorme tão cedo
- ou de vez em quando madruga -
Duas almofadas são coisas de mais neste quarto para três que o aluga

Não te chamo acordado e mantenho tudo ao contrário
Mas as peças as mesmas cá estão. Tudo intacto no espaço
E a casa é minha como dantes. Não vês?

As estantes e os livros a meio e as fotos tiradas
Pregadas ainda p’ra sempre ao placar

Tudo à espera dum salto ou de novo de um velho fitar

Duma noite findada, ou de um dia a acabar
De uma outra almofada ou lençol feito em seda da seiva
Do linho da planta dessa tua tez

Do colchão sem um estrado e a estrada no chão
Ou o teu corpo outra vez

De uma velha canção e a mão bem cerrada ou uma voz não calada
De uma nova alvorada nas trevas e do zero voltar a sonhar só com nada…

Tudo isto, ou de novo o teu corpo a chamar!

parêntesis

É com a sorte do sono que chegam palavras
É com o vento da noite do norte que encho o quarto
E a cama de gente

É de corpos amorfos caídos atados
Pendurados noutras partes da terra
É penumbra

(cago nos parêntesis)

É de dissertações já fumadas
Cigarros pensados que o fumo atravessa
A visão dos teus olhos
Salta-me dentro dos olhos

É com isso que vivo
E eu só faço estes seres quando travo
A vapor de mortalha

(cago nos seres de fumo dentro destes parêntesis)

noite a meio

Carro seria ou arte empedrada
Forte convicção em vidraças emparelhadas
Avessas manias que irritam as doces presenças
Sedentas de amor sem palavras

Que letras cansadas ao verso
É um metro em concreto para quê?
(ou pausas forçadas)

Cabelo escorrido e curtido vestido
Entre as pernas fechadas um quadro
Pintado às pancadas em três
Como quem sai de casa
De quem entra em cena

Surpreende o farsante que embala esta noite apressada
Que acaba, sem estar terminada…

23-10-2007

fade out

Quisera escrever eu no escuro sem precisar de palavras escritas. Quisera eu que a luz fosse feita de escuro e que o duro tormento da inexpressão do confronto ao papel se apagasse com o interruptor para baixo. E que quem pensa e não escreve, escrevesse sem pensar duas vezes.

Ou que a cada madrugada saíssem só textos de fresco escritos a quente. E que o centro dos mundos fosse um conjunto total de muitas cabeças. E que no sonho de cada uma delas, comandássemos todos as ideias de todos.

Quem me dera que todos vivessem somente para todos, mas que ao acender de outra luz uma vela surgisse de dentro do escuro e voltássemos sempre a esse ponto perfeito de letras pensadas e escritas. Mas que no papel das ideias ficassem abaixo-assinadas por quem de direito.

E que ao soprar para a vela fosse tudo cumprido! Ainda que às escuras e ainda que o escuro não durasse nem cinco minutos que fossem sem luz…

fugidio

Luz, mão aberta e a mão nessa luz
Punho fechado de ideias dispersas
Sangue a ferver em pouca água no copo
Acossado por entranhas estranhas de corpos pesados
Sem vontade mais a menos e a cabeça que dói
Corpo imóvel de boneco à janela vidrada
De cima em ponto picado
(voz em recusa, a escusa é vizinha do lado)

Tacanha tamanha sinceridade de movimentos
Ou os lentos planos de transição de discurso
(o fio que não puxas é o mesmo que se te enrolará mais tarde ao pescoço)
Ou o caroço da ferida contida dois tempos

Ideais acordados de dentro do luto
(não vás tu deitar-te mais cedo sem veres a rua a saltar-te para cima)
Não esperes tal facto mais tarde cantado
À janela de baixo em ponto de contra picado

E não tardo a inventar mais conversa
A tua mente perversa inspira estas letras sem nexo
O cigarro a aguardar outras horas
(e é finalmente minuto perfeito de pôr às avessas a luz outra vez)

Numa mão e na outra fechada uma frecha de cor
Iluminada no escuro, pintada de branco escarlate
Com sabor a tomate esmagado contra a voz que vem cá de dentro
Do centro de toda a junção de ideias concretas
Discretas em si e apagadas mais tarde…
(está essa luz persistente)
E dormente qual nervo picado e cansado de arrufos suaves

Abanemos o cesto e tiremos as compras
Coloquemos pimenta e leiamos o verso instrutor
Formador de cabeças pensantes iguais às demais estreantes
(deixa estar. vou dormir)
Inchem-me os olhos de impressões lacrimejantes!

16-10-2007

oeste

Ali estava eu.
Vulgarmente deitado,
Encontrado no chão
Da luz só me lembro da cor
Era amarela e seca
Mas brilhante
Do som esqueci-me.
E a cruz eras tu

Caminhei por entre o nevoeiro
(tinha-se instalado sem querer sob a estrada)
E a areia molhada
Eu temi
Mas prolonguei a estada

E fui longe ao Oeste
Procurar-me na luz
Ou pedir-lhe que empreste
Ao passado urgente uma réstia de gente
Da sua. Ou a lua que vejo daqui
Invejo estas ruas
Encharcadas de luz
Não ouço lamentos
E aos ventos do Oeste
(que humidade produz)
Não parem.
Para sempre.

e u

Sou um Ego sem ego
Só vácuo cá dentro
Uma mão em aberto
Tão cheia de nada
Sou eco em aberto
Ou um som que ecoa
Discreto num dia
De nuvens no céu
Sou as paredes vazias da casa
Sou uma asa arrancada
Sou o fardo nas costas da mulher cansada
Sinto enfado
Sou o papel que é rasgado
E o texto esquecido
Não lido nem escrito
Mesmo assim sou bonito
E o que sou ou não sou
Não é dito em versos alados
Cairia eu no erro de me descrever
Em palavras tão vãs
Como aquilo que penso de mim nesta hora
Muito embora admito:
Sou… Eu

15-10-2007

carradas de coisas

Câmaras escuras furadas
Fotogramas acesos
Luzes apagadas
Nos vasos as flores
De jeito e a jeito poria
Não fosse o saber enquadrado
E o chão dessa estrada
Ou a construção desenfreada
Estilhaço de alma quebrada
Papel de parede colado a ilusões
E alusões às imagens passadas
Entrada pujante assente na lama
Chama vazia tão fria
As estrelas são negras
Como o carvão nesse cal
E a vontade é igual
O jantar está servido
E o líquido vertido
Na mesa dois pratos
E os copos com água
Os caixotes à parede encostados
Os papéis manuscritos descritos
Até ao mais ínfimo pormenor
E a dor é de agora em diante
A única certeza que temos
Viveremos. Avante!