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23-11-2006

artéria, tu tens razão

"A única coisa que eu aprendi meu Deus
a sofrer a desilusão duma passagem de rua
ficar com o lado esquerdo a ajudar a falar
mas a única coisa que eu aprendi
Que um bocado de vidro inundasse de luz uma artéria
era uma desilusão a olhar para mim
e dizer movimento de rua
é assim movimento de rua
aí está nós cá estamos nós somos tal e qual
uma desilusão em passagem.
Tinha era ainda mais que tudo isso
um inchaço dum vidro em bocado
espetado em cima de pedra.
Havia um estendal de desilusão a devorar-me
todo com os olhos
eu era uma continuação do meu ser.
Onde um simulacro estava a vantagem
de uma desilusão.
Eu não. eu cá.
Que um cá estamos considerasse ou não
eu não tinha nada com isso
Eu fum, eu...
Ah,
Havia é que era eu cá estamos nada disso
eu cá não eu nada eu não tinha eu não tenho
tu quê
nós consideramos.
Onde punha fum
tudo por dentro era duma urania
tudo por dentro era duma constipação palpável
pelo sentido da pedra e do bocado de vidro.
Não eu cá não vou.

Quem olha descontenta."



ANTÓNIO GANCHO

13-11-2006

ao certo

Ao certo não sei que escrever
Certamente não sei acertar
Nem sei se é certo pensar
O que é certo – isso eu sei – é que penso

Enquanto penso e repenso,
À minha frente desfaz-se
O repasto da vida
E sobre a mesa estendida
Está uma toalha em retalhos

E essa mesa só sente
O deprimente sabor a amargo
Das coisas certamente pensadas
Pesadas e mais que incertamente sentidas
E bem consumidas.
Mastigadas, em sumo, cantadas.

Em pratos, percalços partidos
Repartidos em partes, os pensamentos reparto
E estruturo em pedaços os restos do farto repasto.

Mudo, por fim, as linhas do meu pensamento
O sentido incerto do que acerto no lento
Percurso coisas.

Mas há coisas que certas existam
Certamente não sei acertá-las
E só penso encaixá-las,
Quer queriam, quer não,
Quer persistam…