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25-02-2006

frio

Embrulhaste-me no lençol e protegeste-me do frio. Eu não forcei a saída do manto quente que era o teu leito. Tapado com tal azul morno no corpo, fui-me deixando ficar e amoleci ao teu lado por sobre o que és. A tua perna escorregou de entre a minha e fez tal estrondo no chão do quarto que ainda hoje sinto o abalo no prédio sempre que saio pela porta pequena.
De súbito o frio. Destapaste-me com a força de quem não se quer deixar ficar. Desembrulhaste-me da imensidão que era o Teu e o Nosso. E voltaste a tapar-me. Não com tanto querer, já nem me protegeste desta vez. Mas acalentaste mais uma vez o gelo que já era o meu corpo.
Destapa-me de uma vez para a vida... ou abriga-me do frio para sempre.

19-02-2006

Deixa Morrer

Eu vi que eu sou capaz
Eu posso até sentir
Isso vai fazer-nos tão bem
Não nos deixei mentir
E agora tanto faz
Vou dar o mundo a quem

E aparece assim
Acendeu-se a luz
Estão vivos outra vez

Amar é bom se houver
No fundo de algum de nós
Alguma solidão
Eu calo a minha voz
É tão bom ser mulher
Descobrir quais são

E aparece assim
Acendeu-se a luz
Estão vivos outra vez
Se é tão bom de ouvir
Vivo para ti
Até o nosso amor morrer

Se eu não for capaz
Eu espero vê-lo em ti
Eis como me ajudar
Sentir não é mostrar
E dar não é sentir
É morrer em paz

E aparece assim
Acendeu-se a luz
Estão vivos outra vez
Se é tão bom de ouvir
Vivo para ti
Até o nosso amor morrer

Mas deixa o nosso amor morrer



Letra de Manuel Cruz

15-02-2006

rememoração II

fixei-me naquele momento e no outro. agora que me lembro foram muitos... e como te pensava. mas deixei-me levar pela coisa a que os outros chamam qualquer coisa. não, não o direi. porque se o dissesse estaria a compactuar com todo o sofrimento em que me vejo. e eu não quero mais se não sair desta rede de nadas que é a tua ausência. encontraste-me vazio e deixaste-me vazio. nem certeza tenho se ainda sinto o meu corpo. será que também o levaste? não te preocupes com ele, de que me serve o meu corpo se lhe falta a metade? não percebeste que eras tudo?

rememoração I

e quando viajo parado no tempo dos tempos das nossas lembranças sinto-me como se me tivesses aniquilado para a vida. e quando tento pronunciar o teu nome nada me sai a não ser a dor que entra e que sinto por já não o poder pronunciar como meu.

12-02-2006

distancia (re-editada)

Fui beber ao luar daqui
vestigios de ti, meu amor
fui ao alto mais alto do monte
procurar o local onde a viste,
a lua...

E na rua fiquei
por almofadas à espera,
de flor, para contigo dormir
para sempre

Não temas,
meu amor, não penses
que pena temeres
por pensar,
que mau é pensares
em temer

E na rua fiquei

estrela

a minha estrela era a tua
e eu vi-a brilhar
que mais fiz que apagá-la?

quieto permaneceria
para sempre
a olhá-la. a olhar-nos
nesse alto, tão alto que eras tu
que mais fiz que apagá-la?

dúvida

A dúvida persegue... A dúvida mata. A dúvida enrola-nos e queima... A dúvida é fodida. A dúvida não tem dúvidas e sabe não duvidar ela mesma de si. Mas teima em duvidar-nos a vida. E a mente, sua eterna aliada neste jogo. Que é lento e mortal, que mata aos poucos. Por dentro. Que vai doendo e corrói... E mói... Dói! Que dúvida, esta vida…

08-02-2006

o quarto

O quarto naquele dia encontrava-se assustador. O silêncio das palavras enregelava os corpos presentes. As ideias subentendidas e adivinhadas na ausência de barulho iam ganhando uma forma cada vez mais assustadoramente real.
Quase nada disseram. Mas o pouco que falaram e disseram ali ficou. Entranhou-se nos lençóis da cama e sujou aquelas quatro paredes outrora brancas.
Se fosse possível ele ficaria naquele quarto para sempre, sem mais nada a dizer, sem mais nada a falar. Permaneceria apenas deitado, quase lívido naquele estrado.
E nessa morte profunda viveria para sempre, ainda que não estivesse morto, ainda que nem vivo parecesse.
Aquele quarto era a sua vida. Ele não lho disse, mas ela também era a sua vida...